Justificativa

Segundo o Censo Demográfico de 2010 (IBGE), no município de São Paulo, a migração internacional teve um incremento de 117% no decênio 2000-2010. Dos 39.655 residentes que entraram em 2010, 23,8% (9.419) no fluxo total são imigrantes bolivianos. Ainda segundo o Censo, a maior parte destes imigrantes se fixa na região central de São Paulo e em distritos como Vila Maria, Belém e Casa Verde (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2012).

Atuando desde 2006 na região central, a Cidade Escola Aprendiz, constatou algumas problemáticas específicas decorrentes desta situação. Em primeiro lugar, os filhos dos imigrantes latino-americanos estudam nas escolas públicas da região e, em diversas situações, experimentam situações de preconceito pelos colegas. As escolas, em geral, sabem apenas o número de estudantes que não nasceram no país, mas desconhecem o número deles que nasceram aqui, porém falam espanhol em suas casas. Muitas vezes, estes estudantes apresentam dificuldades na disciplina de Língua Portuguesa, sem que os professores tenham conhecimento do fato de que, para eles, esta não é sua língua materna. Além disso, a população da região central acessa pouco os muitos recursos públicos disponíveis no território, o que é particularmente grave entre as famílias latino-americanas recém-chegadas, que vivem em piores condições de renda e infraestrutura.

Em 2012, a Cidade Escola Aprendiz realizou um diagnóstico sócio-territorial da região central, baseado em levantamentos de dados secundários e aplicação de questionários com estudantes de escola pública localizada no limite entre os distritos de Santa Cecília, Bom Retiro e Barra Funda, que pertencem à Subprefeitura da Sé, os primeiros, e da Lapa, o último.

De acordo com dados do Censo Demográfico de 2010 (IBGE), as áreas consideradas para a análise – correspondentes às áreas de ponderação que circundam a escola selecionada em um raio de 2km – apresentam uma população de 394.750 indivíduos, o que corresponde a 3,5% da população total da cidade de São Paulo, estimada em 11.253.503. Segundo a mesma fonte, 54,3% da população destas áreas são do sexo feminino e 45,7% do sexo masculino, percentuais bastante próximos à distribuição verificada para o conjunto da população da capital

Para que fosse possível aprofundar o conhecimento acerca das condições de vida dos jovens que vivem no território, foram selecionados estudantes do ensino fundamental II e do ensino médio da escola localizada no centro do raio. Aos estudantes selecionados foram entregues questionários para serem respondidos em casa e na presença de um adulto responsável. No total, 69 estudantes responderam à pesquisa, sendo 50 do ensino fundamental II e 19 do ensino médio.  A idade média dos respondentes é de 13 anos, com um percentual maior de estudantes do sexo feminino (56,5%).

A pesquisa constatou que 95,7% dos estudantes residem a até 2 km de distância da escola, notadamente nos distritos da Barra Funda e do Bom Retiro. Este dado demonstra que no universo dos estudantes respondentes, há estreita relação com o bairro que a circunda, o que é reforçado pela informação sobre os meios de transporte utilizados para ir até a escola: 59,4% deslocam-se a pé, enquanto 29% utilizam o ônibus.

A maioria dos estudantes nasceu em São Paulo (60,3%), embora chame a atenção o fato de que 13,2% tenham nascido em outros países. No caso dos pais e das mães, registre-se que mais da metade (55,1% e 56,%, respectivamente) nasceu em outro estado, sendo que 14,5% dos pais e 21,7% das mães nasceram em outros países. As informações sobre o local de nascimento dos pais corrobora outra informação importante: 20,6% dos estudantes apontaram o espanhol como língua falada pela mãe, confirmando o fenômeno recente de imigração latino-americana observado na região.

Situações de vulnerabilidade

Dez estudantes (14,5%) afirmaram que trabalham. Destes, apenas quatro tem registro em carteira de trabalho. Cinco dos que trabalham afirmaram que o dinheiro ganho nessa atividade é gasto com coisas para si e como ajuda em casa.  

Do total de respondentes, 15,9% já haviam sido abordados por alguém que lhes ofereceu drogas. Quase um terço dos respondentes do ensino médio afirmou ter o costume de tomar bebida alcoólica (36,8%). Apenas dois estudantes do ensino médio afirmaram já ter feito uso de drogas ilícitas. No entanto, a metade dos respondentes deste nível de ensino afirmou conhecer algum colega ou amigo que faz uso frequente de drogas ilícitas.

Embora a taxa de mortalidade por agressões de todos os distritos que fazem parte da área do diagnóstico esteja abaixo da taxa do município – o distrito de Santa Cecília, por exemplo, possui uma taxa de 10,8 por 100 mil enquanto a taxa do município é de 12,9 (SEADE, 2010) – o questionário aplicado com estudantes da escola parece demonstrar que a violência também é uma realidade nesta região da cidade. Entre os estudantes que responderam ao questionário frente à pergunta “o que você não gosta no seu bairro?” 42,4% disseram “Insegurança de circular pelas ruas” e 36,2% disseram que em algum momento “alguém ameaçou roubar ou roubou algo seu”. Em relação às situações de violência que os estudantes viram ou ficaram sabendo de alguma forma, a pesquisa constatou que 78,7% já viram a polícia prendendo alguém e 75,4% viram ou ficaram sabendo de alguém usando drogas.

É também relativamente alta a porcentagem de gravidez na adolescência na região, – no distrito de Santa Cecília, a porcentagem de gravidez de mulheres com idade inferior a 18 anos é equivalente a do Jardim Ângela (3,76%) e muito superior a de Pinheiros (0,76%), por exemplo (SEADE, 2010) – assim como também outras questões relacionadas ao uso de drogas lícitas ou ilícitas, observa-se a necessidade de existência de uma articulação destes espaços de saúde junto às crianças e jovens da região, em ações não somente de atendimento, como também de prevenção.

Famílias de Baixa Escolaridade e Renda

Dentre as mães, 40,3% têm o ensino fundamental incompleto e 35,8% o ensino médio completo. Em relação aos pais, as frequências para os mesmos níveis de ensino se invertem: existem mais pais com o ensino médio completo (33,9%), do que com o ensino fundamental incompleto (32,1%)

Para as famílias que informaram a renda familiar mensal, 70,2% indicaram que esta é composta por até quatro salários mínimos, sendo que 21,3% não sabem a renda ou preferiram não responder. Entre as mães, 10,4% estão desempregadas. O desemprego, no entanto, é menor entre os pais: 3,9%.

Circulação e acesso limitado à Cidade

Em relação aos lugares conhecidos ou frequentados pelas famílias, a opção que apresenta maior frequência é “parque” (73,9%). Em seguida, aparecem: “museu” (33,3%), “biblioteca pública” (17,4%) e “Telecentro do Acessa São Paulo” (14,5%).

Já os estudantes, quando perguntados sobre o que mais gostam no bairro, 42% destacaram a “facilidade para ir a outros lugares da cidade” e 33,3% a “existência de áreas de lazer e esportes”. No entanto, a inexistência de “lugares para se divertir” e a “insegurança de circular pelas ruas” são apontadas respectivamente por 43,9% e 42,4% dos estudantes como fatores para não gostar do bairro.

Na relação dos estudantes com o bairro chamam a atenção os dados referentes aos principais lugares que eles conhecem ou visitam perto da escola. Do universo dos respondentes, 40,6% dizem não conhecer ou visitar qualquer lugar. No entanto, dentre os que afirmam conhecer ou visitar lugares, o mais citado é a loja de departamento Wallmart (52,5%), seguida de “casa de amigos”, mencionada por 15% dos estudantes.

A pesquisa mapeou também os equipamentos e serviços disponíveis na região. Os resultados contrastam grandemente com as respostas dadas pelos estudantes e seus pais.

Na área de cultura foram mapeados o Museu da Energia, o Museu Geológico Valdemar Lefèvre, o Memorial da Inclusão e a Galeria Marta Traba de Arte Latino-Americana, os dois últimos localizados dentro do Memorial da América Latina. Conforme apresentado em seu site, a Galeria é um espaço museológico inteiramente dedicado às artes e à cultura latino-americanas, objetivando sua difusão e intercâmbio. Há ainda Serviço Social do Comércio (Sesc) Bom Retiro, que vem buscando meios para aproximar os moradores de seus espaços e atividades.

Localizados muito próximos, em ruas paralelas no Bom Retiro, estão dois Clubes da Comunidade, o CDC Nacional do Bom Retiro e o CDC Roberto Russo. Os Clubes da Comunidade são unidades esportivas em terrenos municipais, cuja gestão do espaço, com a fiscalização e apoio da prefeitura, é feita por entidades da comunidade local com reconhecida vocação para o trabalho esportivo. Menores que as unidades de administração direta, os centros têm como objetivo incentivar a prática esportiva e atividades comunitárias nos bairros que não possuem estrutura. Encontra-se ainda na região o Centro Esportivo Educacional Raul Tabajara. Todos os três espaços possuem campo de futebol e oferecem outras atividades culturais, esportivas e recreativas gratuitas para a comunidade local, sendo importante meio para garantia de esportes e recreação na região.

Em relação às bibliotecas, há o Bosque da Leitura, que funciona dentro do Parque da Luz aos finais de semana. Além desta, há também a Biblioteca Latino-Americana Victor Civita,  que fica dentro do Memorial da América Latina e possui importante acervo referente ao continente.

Na região encontram-se ainda dois importantes parques da cidade: o Parque da Luz e o Parque da Água Branca, que possui aquário, área de recuperação da mata, ecopontos, museu geológico, relógio de sol, viveiro de mudas e plantas e oferece cursos de equitação, criação de scargot, empapelamento, danças brasileiras e criação de peixe.

O Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) é uma unidade pública que executa serviços de proteção social básica e organiza a rede de serviços de assistência social pública. O CRAS Sé oferece, entre outros, os serviços de inclusão nos programas de transferência de renda, como o Bolsa Família e Renda Mínima, inclusão de famílias na rede sócio-assistencial conveniada, orientação e concessão de benefícios a pessoas idosas (como a carteira do idoso para transporte interestadual) e a orientação e encaminhamento à rede de serviços municipais e estaduais. (SECRETARIA MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA E DESENVOLVIMENTO SOCIAL, 2011)

No mesmo edifício está localizado o Centro de Referência Especializado de Assistência Social da Sé (CREAS), que proporciona atendimento especializado nas situações das violações graves dos direitos como, violência doméstica, exploração sexual, trabalho infantil, entre outros casos. Tendo como uma de suas premissas a localização em áreas de maior vulnerabilidade, o CRAS e o CREAS Sé têm como objetivo primordial subsidiar as famílias que vivem em cortiços na região central, posto que muitos de seus moradores têm dificuldades em acessar programas de assistência social (SECRETARIA MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA E DESENVOLVIMENTO SOCIAL, 2011).

Entre os pais que responderam ao questionário aplicado na escola, 11,6% declararam conhecer ou frequentar o CRAS, o que pode se relacionar com o recebimento de benefícios sociais, já que 14,5% declararam receber algum benefício do governo federal, do estado ou do município.

Em relação especificamente à população de imigrantes, destacam-se na região a Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, parceira do ACNUR (Agência da ONU para refugiados) e do Conselho Nacional para os Refugiados, e a Casa do Migrante, da Missão Scalabriniana Nossa Senhra da Paz, além de albergues públicos.

A área composta pelo raio de dois quilômetros possui um total de sete estabelecimentos de saúde, sendo cinco Unidades Básicas de Saúde (UBS), uma unidade de Assistência Médica Ambulatorial (AMA) e um Centro de Saúde Escola. Dentre os pais que responderam ao questionário, 29% declararam que o último serviço de saúde que procuraram foi uma UBS, enquanto 20,3% declararam ter sido uma unidade de AMA..

Tanto as UBS quanto as AMAs têm como objetivo atender os problemas de saúde de grande parte da população, sem que haja a necessidade de encaminhamento para hospitais. De modo geral as AMAs são aptas a tratar pacientes com mal-estar temporário, de baixa complexidade, enquanto os pacientes com doenças crônicas devem procurar as unidades básicas de saúde, onde especialistas poderão acompanhar a evolução da doença além de realizar atendimentos típicos de medicina preventiva, como vacinação, pré-natal, orientação nutricional e psicológica. Há ainda o Centro de Saúde Escola Barra Funda Dr. Alexandre Vranjac, um dos primeiros Centros de Saúde Escola do Estado de São Paulo, uma unidade de saúde pública, no nível da atenção primária, que, segundo o próprio site da instituição, “também tem como objetivos a formação e a capacitação de recursos humanos em saúde e o desenvolvimento de pesquisas que visam a formulação de tecnologias de atenção primária em saúde”.

Destaca-se, por fim, o Fórum Regional de Defesa do Direito da Criança e do Adolescente da Sé (FRDDCA-Sé), que se propõe a uma atuação de incidência política, como especificado em seu blog: “um espaço de articulação, mobilização e de luta em defesa das crianças e dos adolescentes e em defesa de outra sociedade, que seja pautada na igualdade e na liberdade”.

Escolas: acesso aos jovens e famílias, mas distanciamento em relação à sua realidade e à rede local

A observação do mapa das escolas identificadas na pesquisa indica o quanto estas são sem dúvida o equipamento público mais presente no território: são nove escolas estaduais, nove municipais e uma técnica, totalizando 19 instituições, além das particulares que não foram contabilizadas.

As escolas são o local onde podem ser acessadas as crianças e jovens do território, independentemente de suas diferentes características e condições de vida e, assim, são espaços centrais para a construção de uma rede pela garantia dos direitos dos mesmos e espaço potencial para a transformação social.

Em relação à escola, o diagnóstico trouxe resultados importantes. As escolas do centro possuem razoável infraestrutura, consideravelmente melhor do que escolas públicas da periferia. Além de obter mais recursos do próprio governo estadual, as escolas também se valem de parcerias para conquistar recursos como sala multimídia. Embora seja relativamente adequada a infraestrutura, a fragmentação das políticas impede que recursos importantes sejam utilizados – faltam funcionários para a biblioteca, recursos no laboratório de ciências, manutenção no elevador para deficientes. Se estes espaços, como bibliotecas e quadras das escolas, fossem adequadamente equipados e abertos ao uso das famílias, constituiriam importante incremento à infraestrutura pública de cultura, esporte e lazer da região.
O diagnóstico mostrou também que os espaços de participação da família na gestão escolar muitas vezes estão constituídos – Conselho e Associação de Pais e Mestres, mas, em geral, seus membros não são eleitos e a comunidade escolar como um todo não sente que participa das decisões da escola. Já em relação à participação dos estudantes, das 12 escolas pesquisadas, apenas uma possuía grêmio.

Sustentabilidade: consolidação da agenda voltada à garantia dos direitos das crianças e adolescentes no território

Haja vista os desafios revelados pelos dados do diagnóstico citado, no que diz respeito à garantia dos direitos das crianças e adolescentes filhos de imigrantes da região central da cidade, uma ação consistente que lance mão de estratégias mais eficazes de enfrentamento desta problemática deve contar não só com a aproximação, formação mútua e integração destes públicos, mas também com o acompanhamento das ações planejadas em parceria, de forma a garantir sua efetividade no território.

Nesse sentido, o tempo de duração do projeto é fundamental – no caso, um período de dois anos, a fim de que estas ações transformem-se em estratégias sustentáveis, e que os atores voltados para o desenvolvimento das crianças e adolescentes tenham possibilidade de incorporá-las a seu cotidiano de trabalho, mantendo seu funcionamento em rede.