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Como organizar uma Aula Pública

Publicado dia 13 de fevereiro de 2017

“Isso aqui é uma aula pública”, anuncia Paulo Roberto Magalhães, professor de geografia da Escola Municipal de Ensino Fundamental Duque de Caxias, localizada no Glicério. “E aulas públicas são aquelas que a comunidade pode participar.”

Há pelo menos seis anos, o docente da rede municipal paulistana repete essa introdução a cada aula que promove no território que cerca a escola. Ali, não há lugar que não possa ser aproveitado para promover a aprendizagem: desde a Vila Suíça, centenário local de origem operária, às escadarias da rua Anita Ferraz, considerada a primeira rua de brincar da capital paulista, passando ainda pela Paróquia Nossa Senhora da Paz, conhecida por receber centenas de migrantes e refugiados que diariamente desembarcam em São Paulo.

Em 2011, ano do surgimento do projeto – hoje reconhecido tanto dentro como fora da escola –, o bairro não estava preparado para receber os estudantes em seus espaços comuns. “Naquela época, moradores e trabalhadores do Glicério não entendiam o que a gente estava fazendo. Não deixavam tirar fotos e nem se dispunham a contar histórias. Hoje, a aceitação aumentou, e quebramos uma armadura muito grande, pois a população não só está mais receptiva a tudo isso como ajuda a promover a Aula Pública”, afirma Magalhães.

A EMEF Duque de Caxias reúne mais de mil estudantes do primeiro ao nono ano do Ensino Fundamental. À noite, recebe turmas de Educação de Jovens e Adultos. São 36 salas de aula e mais de 90 funcionários. A escola recebe também uma grande quantidade de alunos estrangeiros, entre sírios, marroquinos, colombianos, dominicanos e haitianos.

Ele credita a mudança na percepção da comunidade ao coletivo Criança Fala, “que veio para colorir o bairro, botar as crianças no espaço público e conversar com a população local”. Alguns integrantes do coletivo sugeriram ao docente promover um espaço educativo fora da sala de aula, e ele não titubeou: três dias depois, acontecia a primeira Aula Pública do Glicério.

O ambição do projeto de Magalhães foi tão longe que lhe rendeu o Prêmio Territórios Educativos, concebido pelo Instituto Tomie Ohtake para reconhecer e fortalecer experiências pedagógicas que explorem oportunidades educativas do território onde a escola está inserida. A iniciativa tem repercutido positivamente dentro da rede: outras escolas já participaram da atividade e professores estão buscando insumos para replicar o método.

A Plataforma Cidades Educadoras conversou com Paulo Magalhães e o diretor da EMEF Duque de Caxias, José Mário Britto, para entender quais caminhos são necessários para que uma aula pública aconteça no território da escola.

1# PREPARO DA AULA PÚBLICA

O professor que tem interesse em realizar uma aula fora da sala, envolvendo tanto alunos quanto a comunidade local, deve se preparar para isso. Além de um trabalho prévio em sala de aula, Magalhães busca conteúdos formativos muito além dos materiais didáticos: pesquisa teses de mestrado e doutorado sobre os temas que irá tratar em público.

Tais temas, aliás, surgem naturalmente a partir da interação e diálogo com os alunos. “Os assuntos que eles demonstram interesse são os temas que priorizo para a Aula Pública. Após aprofundar o tema em sala de aula, levo a turma para o espaço público, para que conheçam um pouco daquela realidade.”

O docente deve entregar para a coordenação da escola o roteiro da saída pelo bairro, detalhando os espaços que serão ocupados, os conteúdos, as autorizações dos pais e a linguagem que será utilizada.

No território, Magalhães costuma visitar os locais com antecedência, conversando com moradores e buscando introduzir temas que serão trabalhados durante a Aula Pública. “A preparação deve ser interna e externa. Por isso, demanda-se um tempo que não apenas o da aula.”

2# PACTUANDO COM OS ESTUDANTES

As crianças devem ter autorização dos pais para circular no espaço público. Estarem todos uniformizados ajuda na organização coletiva. É preciso enfatizar que as ruas só podem ser atravessadas na faixa e quando os veículos estiverem totalmente parados. E, claro, que haja respeito com as pessoas que estejam por ali.

“Nesse sentido, a criação de uma rede ajuda bastante: envolvimento familiar, com pais e avós participando desse momento; envolvimento escolar, com outros professores e funcionários ajudando a organizar; e envolvimento comunitário, com parcerias previamente acertadas com espaços do bairro.”

Magalhães reforça o papel do diálogo na criação da Aula Pública, já que ele é capaz de estabelecer e pactuar os códigos e regras que serão levados tanto pelo professor, quanto pelos estudantes, para a rua, um espaço repleto de estímulos e dinâmicas distintas às da sala de aula.

“Não precisa ser metódico, mas é necessário planejar bem, não deixar coisas para a última hora. Quando se estiver na rua, tem que estar preparado para tudo. Por incrível que pareça, os imprevistos que aconteceram até agora foram sempre positivos. A comunidade está ali para somar”, afirma o professor.

 

Além do território do Glicério, a Aula Pública já aconteceu em diversos espaços e equipamentos da cidade: Museu Catavento, Sesc Parque Dom Pedro II, Sesc Carmo, Câmara Municipal de São Paulo, Centro Cultural Banco do Brasil, Caixa Cultural, Sala São Paulo, Museu da Imigração Japonesa e Centro de Gerenciamento do Metrô.

3# RELAÇÃO COM A COMUNIDADE

“A escola tem que ser um reflexo da comunidade”, aponta o diretor da EMEF, José Mario Britto. “Queremos que todos os professores iniciem esse movimento de explorar o bairro. Afinal, nossas crianças sabem transitar pelo público. E o nosso incentivo é para que as pessoas pensem o bairro como a escola, sem ficarem presas à sala de aula.”

Com a aprovação da diretoria, o professor deve buscar parcerias com a comunidade, para evitar que a escola fique “ilhada” no território. “Quando entrei na direção, fui para a rua conhecer os moradores locais, os comerciantes, os trabalhadores. Agora, vamos trazer movimentos comunitários para dentro da escola, como atividades do Mês do Hip Hop e o Cineclube.” A ideia, por fim, é fazer com que a escola e o bairro se misturem cada vez mais.

Para Magalhães, este movimento transforma não apenas a escola, mas também a comunidade. “Muitos dos participantes da aula pública são moradores locais. Eles acompanham a atividade porque querem aprender mais sobre o local onde vivem.”

4# ENVOLVIMENTO COM A COMUNIDADE ESCOLAR

Não basta somente o apoio da direção. Quanto mais professores envolvidos na Aula Pública, melhor. “Todas as áreas do conhecimento contam com a possibilidade de relacionarem seu conteúdo com o espaço público”, defende José Mario Britto. “Nossa ideia é criar uma abordagem interdisciplinar para a Aula Pública.”

De acordo com Magalhães, foram levantadas mais de 20 possíveis aulas públicas entre os docentes da EMEF. “Alguns estão dando seus primeiros passos em público. A atividade se tornou um evento mensal e já tem vários professores que estão me procurando para replicar a metodologia.”

Aula Pública ocorre na Vila Suíça.

5# ARTICULAÇÃO COM O CURRÍCULO

Britto é enfático ao afirmar que o currículo formal não ajuda as crianças e jovens em nada. “Ele cria para nós, educadores e gestores, uma batalha que não conseguimos vencer: de tentar prender os estudantes nesses espaços escolares”, observa.

“A Lei de Diretrizes e Bases nos dá autonomia pedagógica, financeira e legislativa. Dentro da nossa relativa autonomia, podemos implementar um projeto de escola diferente, que tenha a cara da escola e do bairro.”

Durante uma aula pública, os saberes são produzidos durante a própria dinâmica de troca de conhecimento entre os presentes. “O que importa é haver um conteúdo significativo. Quem disse que sistematizar o conhecimento é apenas colocar conteúdo no papel? Os alunos não vão revelar os saberes só na escrita, nem todos tem essa capacidade de síntese no papel. Saberes são construídos também na observação e na experiência.”

6# CORAGEM E HUMILDADE

Magalhães ressalta dois aspectos fundamentais para o docente que tenha interesse em levar suas turmas para aprender no território: coragem e humildade. “É preciso coragem para sair na rua, encarar a realidade, subir no degrau de uma escada e falar com as pessoas, sensibilizando não apenas os alunos mas quem estiver passando por ali. E a humildade é importante para o professor sair do pedestal e se equiparar com o morador de rua, o dono do bar, o taxista, uma mãe. A aula não é só para as crianças, mas também para a comunidade.”

Alunas tomam registro do aprendizado fora da sala de aula.

A primeira Aula Pública de 2017 acontece nesta terça-feira (14/2), a partir das 9h, sob o tema “Os diversos tipos de moradia no Glicério”.

7# REGISTRO DO PERCURSO

Durante as atividades, Magalhães costuma pedir para que seus alunos registrem o que estão sentindo naquele momento, seja através de vídeos de celular, depoimentos orais ou desenhos. “Já em sala de aula, comentamos sobre aspectos positivos que aconteceram, um bate papo sobre as dificuldades que surgiram. Deixo eles bem à vontade, pergunto o que pode melhorar da próxima vez.”

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