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publicado dia 11 de maio de 2018

Direito à cidade

Publicado dia 11 de maio de 2018

Direito à cidade

O conceito direito à cidade nasceu no ano de 1968 em uma Paris incendiária, onde uma onda de protestos contra reformas educacionais iniciada pela juventude culminou em uma greve geral, mobilizando toda a população da capital francesa.  No mesmo ano, o sociólogo e filósofo marxista Henri Lefebvre (1901-1991) publicava o primeiro de uma série de livros sobre o espaço urbano: o Direito à Cidade (no original, Le droit à la ville).

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Primeiro marxista a de fato voltar sua pesquisa para a concepção do espaço urbano, Lefebvre definiu a cidade como a “projeção da sociedade sobre o terreno”. Para ele, as consequências da urbanização em muito superavam as da industrialização, e as cidades passaram a ser produzidas enquanto mercadorias.

O resultado, segundo o autor, era a alienação, a qual Lefebvre chamava miséria urbana. O trabalhador periférico que enfrentava longas horas de transporte público, trabalhava e voltava a enfrentar as mesmas horas no retorno para casa era vítima, em sua concepção, de um espaço regulado, uma demarcação de vida com pouca possibilidade para o encontro e para o lazer.

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Assim, o direito à cidade surgiu como um conceito contrário à alienação provocada pelos imperativos de uma urbanização desenfreada e regulatória. Lefebvre lançava críticas e desafios aos gestores públicos e aos urbanistas, incentivando-os a pensar na cidade como um lugar de encontro, reunião e simultaneidade, onde o valor da cidade é o de uso, e não de troca.

pichação "a cidade é para todos" em um muro da cidade
A cidade é “a projeção da sociedade sobre o terreno”, escreveu o francês Henri Lefebvre em 1968.

Direito à cidade no Brasil

Recebido com fervor acadêmico e favorecido pelas intempéries políticas atravessadas por outros países, o trabalho de Lefebvre foi rapidamente traduzido para o português. Eram os anos de chumbo da Ditadura Militar (1964-1985) e a noção de um Estado de Bem-Estar Social era distante: moradia digna, transporte ou emprego não eram direitos garantidos para a maior parte da população.

Na tese Direito à Cidade: Uma trajetória Conceitual, a pesquisadora Bianca Tavalori defende que se no meio acadêmico marxista da Europa e dos Estados Unidos o livro enfrentou ceticismo, principalmente por parte de pesquisadores como Manuel Castells, que estudavam movimentos sociais de luta por moradia (os quais Lefevbre considerava impeditivos para efetivação do direito à cidade), houve no Brasil uma combinação dos pensamentos de Lefebvre, da pesquisa marxista e dos diversos movimentos sociais que se articulavam.

pessoas fecham as portas de uma ocupação
Entidades que lutam por moradias populares ocupam prédio do INSS no bairro de Santo Cristo, zona norte do Rio de Janeiro (RJ). Crédito: Tomaz Silva/Agência Brasil

Em vista das desigualdades e vulnerabilidades do território brasileiro, começou a nascer no País a disputa por um imaginário de direito à cidade, articulada aos direitos de moradia, transporte, cultura e moradia.

“Direito à cidade passou a ser um nome para dizer que queremos políticas de acesso a equipamentos básicos urbanos”, explica Tavolari. “Direito à cidade é uma expressão muito importante também no sentido de que gera identificação: quando mencionada em reivindicações de esfera pública, as pessoas sentem que pertencem à cidade”.

Embora não com o mesmo nome, o direito à cidade se manifesta na Constituição de 1988. Os artigos 182 e 183 garantem a função social da propriedade urbana e a usucapião. Outro marco importante para o direito à cidade foi o Estatuto da Cidade, documento que tramitou durante 11 anos e que assegura o “uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental”.

O termo retornou com força nas Jornadas de Junho de 2013, quando manifestações tomaram diversas cidades brasileiras, impulsionadas pelo aumento da tarifa de transportes públicos. O direito à cidade era um dos conceitos-chave, expresso de múltiplas formas, desde demandas por transporte público para acessar equipamentos da cidade até liberdade de se expressar publicamente sem ameça de violência e represália.

Para a arquiteta Joice Berth, especialista em feminismo negro e direito à cidade, é a possibilidade de apropriação do termo por diferentes reivindicações que o torna tão fundamental na construção de uma cidade que de fato atenda a seu propósito social.

“Cidade é um espaço público, onde você se locomove, mora, estuda, trabalha e cria raízes. As pessoas têm dificuldade de entender: como assim, direito à cidade, a cidade não é pública? É, mas não em sua totalidade”.

A diversidade da cidade

Embora exista, nos últimos anos, um alargamento na concepção da importância do direito à cidade, esse debate às vezes ignora que dentro de uma malha urbana se desenvolvem diferentes tipos de territórios, com mais ou menos acesso à direitos.

Joice Berth interliga a efetivação do direito à cidade à participação social. “Direito à cidade é falar de política, senão dentro das instituições, na montagem de grupos de discussão e na ocupação de espaços públicos”. Ela complementa que é também dever da população fiscalizar as políticas públicas em trâmite no poder legislativo.

A gritante desigualdade brasileira se materializa em uma malha urbana fragmentada. Enquanto o centro concentra maiores oportunidades de trabalho e habitação para população com maior poder aquisitivo, além de uma abundância de equipamentos de cultura, as regiões periféricas sofrem de um parco planejamento urbano, poucos pontos culturais e uma população de baixa renda aviltada de direitos básicos.

“Os urbanistas precisam ter uma consciência social, racial e de gênero bem desenhada para poder realizar um planejamento urbano”, diz a arquiteta Joice Berth. Pensar o direito à cidade implica então compreender que, para que ele se efetive, as políticas públicas precisam considerar os trajetos percorridos pelas diferentes populações e realidades brasileiras, entendendo seu papel fundamental na diminuição da desigualdade nos âmbitos raciais, de gênero e de condição social.

*Esse glossário foi produzido a partir de entrevistas com a arquiteta Joice Berth e a pesquisadora Bianca Tavolari.

Referências: 

TAVOLARI, Bianca. Direito à Cidade: Uma trajetória conceitual, 2016.

VASCONCELOS, Pedro de Almeida. As Metamorfoses do Conceito de Cidade, 2015.

 

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