Escola: Agente de Transformação

Na Cidade Educadora, a escola é parte essencial do processo formativo  das pessoas, uma vez que assume a tarefa de educar crianças e jovens durante um período de suas vidas. Diante desse desafio, o território emerge como campo de pesquisa, currículo e lugar de estudo, fornecendo não apenas os insumos necessários para uma aprendizagem contextualizada e de qualidade, mas também constituindo-se como espaço para o qual se volta a educação.

É, portanto, o espaço formalmente constituído para a troca de saberes e produção de conhecimento e convívio comunitário, envolvendo-se com as questões locais e atuando em prol de suas transformações.

Ao lado de parceiros, a escola fomenta uma rede de aprendizagem que busca garantir os direitos fundamentais dos estudantes e de suas famílias. Reunindo educadores e profissionais de diferentes áreas, cria oportunidades únicas de leitura e compreensão do mundo.

No entanto, para que os processos de ensino-aprendizagem tenham relevância e pertinência – e respondam de fato às necessidades de desenvolvimento integral – é importante que a escola conheça a realidade, os interesses e anseios de seus estudantes.

No Bom Retiro, bairro de elevada ocupação migrante, o território, assim como os saberes, hábitos e culturas produzidas nele servem de caldo para que a escola seja reconhecida como um espaço de acolhimento e valorização da diversidade.

Essas foram as premissas que nortearam a atuação do Projeto Integração Família – Rede Socioeducativa junto às escolas.

Atuação na EMEI João Theodoro

Ao longo de dois anos, a  Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) João Theodoro serviu de eixo para o trabalho realizado pelo Aprendiz no centro de São Paulo.

Localizada dentro do Parque da Luz, a EMEI João Theodoro nasceu como um dos Parques Infantis idealizados por Mário de Andrade quando diretor do recém criado Departamento de Cultura do Município, na década de 30.

A escolha foi pautada pela indicação da Diretoria Regional de Educação do Ipiranga (DRE-Ipiranga), que identificava na unidade a elevada presença de crianças de outras nacionalidades, principalmente migrantes regionais, além de migrantes vindos em sua maioria do Nordeste do país.

Inicialmente, o Aprendiz diagnosticou duas demandas vinculadas ao território:

1. A necessidade de conexão entre as práticas pedagógicas realizadas na escola e os diferentes modos de vida das crianças migrantes;

2. A conexão entre as atividades desenvolvidas pela escola e os agentes, serviços e dinâmicas do território.

Para endereçar esses desafios, a metodologia utilizada pelo Aprendiz considerou os seguintes elementos, detalhados abaixo:

  • Co-criação das atividades
  • Reconhecimento dos agentes do território
  • Percurso formativo
  • Encontro com as crianças

Co-criação das atividades

Os primeiros encontros com os educadores utilizaram ferramentas participativas de co-criação e buscaram entender os conhecimentos prévios da escola em relação às crianças migrantes e ao território do entorno. Tais metodologias buscavam desconstruir visões estereotipadas sobre as crianças e famílias migrantes e colocar os educadores para praticar a empatia, reconhecendo seu protagonismo neste processo. Depois dos encontros de planejamento, coube refletir sobre como o conhecimento estava representado no Projeto Político Pedagógico da escola e nas práticas diárias. Só então deu-se início a um ciclo formativo considerando as questões colocadas pelos educadores como principais desafios.

Reconhecimento dos agentes do território

Após mapeados os principais desafios, foram iniciados processos de articulação no território visando encontrar os agentes que ali viviam e atuavam e que poderiam dar insumos para aprimorar os conhecimentos e as práticas pedagógicas da unidade escolar. A proposta era que os agentes pudessem apoiar os processos de ensino-aprendizagem das crianças migrantes de maneira contextualizada com a realidade local. Destaca-se aqui a importância de olhar para todos os agentes como educadores em potencial, sejam grupos artísticos, movimentos organizados, coletivos urbanos, familiares, agentes comunitários, funcionários de equipamentos públicos de cultura, saúde, entre outros.

Após a busca ativa destes educadores locais, um encontro de integração entre eles foi realizado na escola. Neste momento, todos puderam dizer de sua atuação no território e as possibilidades de colaboração, abrindo assim um leque de possibilidades de atuação em consonância com o Projeto Político Pedagógico e valorizando a cultura do Bom Retiro.

Percurso formativo

Com as temáticas e agentes definidos, a atuação do projeto se deu no sentido de garantir o reconhecimento e a valorização das múltiplas identidades e expressões culturais, fomentando o diálogo intercultural e conectando os saberes locais ao Projeto Político Pedagógico da escola. As formações foram realizadas na Jornada Especial Integrada de Formação (JEIF) e em reuniões pedagógicas, cujos temas foram:

  • Realidade da migração na escola: este encontro contou com a análise de dados sobre as infâncias migrantes em São Paulo, com um olhar especial para a origem de cada criança da escola e suas famílias. A troca de informações entre educadores e a equipe da Associação Cidade Escola Aprendiz permitiu um entendimento sobre as condições de vida e dos desafios de cada criança, criando insumos para o diagnóstico socioterritorial do Bairro-Escola.
  • A brincadeira na valorização da interculturalidade: a brincadeira aparecia como atividade prioritária no Projeto Político Pedagógico da escola. Nesse sentido, foi utilizada para  integrar e promover a interculturalidade a partir do reconhecimento do seu potencial para criar relações com o mundo, com diferentes formas de viver e para a ampliação de repertório. Em parceria com os coletivos Não Só o Gato, Massacuca e Aqui que a gente brinca, a formação ocorreu em etapas.

1) Escuta dos educadores sobre as principais brincadeiras que faziam em sua infância e quais os processos de aprendizagem estavam aportados nos momentos de brincar, aproximando-os um dos outros e resgatando o saber do brincar que estava presente nas memórias 

2) Escuta com as famílias que permitiu a aproximação das diferentes nacionalidades, uma vez que o brincar é uma linguagem universal  

3) Dois dias de ação prática junto às crianças, famílias e comunidade escolar na realização do Brinca Mundo no Bom RetiroOs depoimentos podem ser vistos no mini documentário abaixo, realizado em parceria com o Instituto Criar de TV e Novas Mídias

Os resultados das atividades e o mini documentário foram apresentados para os participantes na Festa da Família na Escola que, neste dia, construíram um mapa coletivo sobre os locais de brincar no Bom Retiro.

Destaca-se neste processo o esforço da equipe da Associação Cidade Escola Aprendiz de colocar a escola em uma agenda global, pois as atividades fizeram parte da Semana Mundial do Brincar realizada pela organização Aliança pela Infância. Tal esforço colaborou com a autoestima de toda a comunidade escolar (família, educadores, funcionários), que se viu valorizada ao compor uma agenda estratégica para infância.

  • Tempos e saberes da cultura popular: aprofundar os conhecimentos sobre a cultura popular brasileira e também reconhecer e valorizar outras expressões culturais do mundo presentes na escola, reconhecendo-as como potenciais educativos foi o grande motivador desta formação. A especialista em cultura brasileira Rosane Almeida foi convidada a mediar este encontro e propôs novas abordagens para os desafios enfrentados no cotidiano educativo com as crianças. Com atividades corporais e ritmadas, valendo-se de diferentes sonoridades, objetos e cantigas populares foram debatidos as seguintes temáticas:

1) A importância de envolver corpo e mente: o percurso realizado pela especialista garantiu demonstrações de como é importante que os educadores se envolvam nas atividades realizadas com as crianças e que os processos desenvolvidos passem também pelas expressões corporais, tanto deles quanto das crianças. 

2) Construção de novos olhares para a diversidade encontrada na escola: ao trazer o processo de construção do Brasil e a possibilidade de ver a diversidade como um potencial, não um problema a ser enfrentado, Rosane mostrou às educadoras que nem sempre é preciso ter as estruturas mais avançadas para colocar a criatividade em prática e estimular práticas culturais.

3) Reestruturação de práticas pedagógicas tradicionais considerando a diversidade presente na escola: a partir do entendimento da diversidade presente na cultura brasileira e do respeito à todas as culturas pode-se encontrar caminhos para desconstrução dos estereótipos e estigmas relacionados aos estudantes imigrantes.  Desse modo, realizar um encontro que apresenta diversidade presente na escola como positiva colaborou para que os próximos encontros formativos tivessem maior engajamento das educadoras.

  •  Identidade, memória e respeito à diversidade: conduzido pela Equipe Base Warmis, coletivo de mulheres voluntárias migrantes que tem por missão facilitar e estimular o diálogo entre as culturas, denunciar e lutar contra toda forma de discriminação e todo tipo de violência através da promoção e a proteção dos Direitos Humanos, este encontro foi realizado a partir de um processo de escuta com os educadores, objetivando que eles se apropriassem do assunto a partir de suas histórias e experiências de vida. Na metodologia aplicada, cada participante realizou uma apresentação na qual trouxe informações sobre a origem de seu sobrenome e quais foram os caminhos migratórios feitos por sua família e como esses processos impactaram sua vida.

A partir deste diálogo, as representantes do coletivo buscaram desmistificar conceitos ainda errôneos e de senso comum que os educadores apontaram sobre a migração enfatizando o direito à migrar e a escolha individual de cada migrante. Dúvidas como acesso aos equipamentos públicos, mercado de trabalho e documentação foram recorrentes. As participantes do coletivo ainda instigaram os educadores sobre maneiras de atuar em sua prática diária para um melhor acolhimento.

Tal formação gerou na escola algumas mudanças simples e significativas para melhoria no acolhimento das famílias migrantes como a alteração na nomenclatura dos convites para reunião de pais para “pais, mães e familiares” e a tradução de convites também para o espanhol.     

    • Valorização da cultura andina para o fortalecimento da identidade migrante: dos migrantes presentes na EMEI, os bolivianos são maioria, assim, trazer para este ciclo formativo informações sobre a cultura andina possibilitou a desconstrução do estereótipo relacionado à criança boliviana na escola. Conduzido pelo migrante Antônio Andrade, fundador do Bolívia Cultural, agência de notícias que divulga a diversidade cultural da Bolívia para os conterrâneos que vivem no Brasil, o encontro tratou da relevância da garantia da identidade de cada criança e a importância do reconhecimento da mesma.
  • Educação Integral e Cidades Educadoras – caminhos para equidade: este encontro realizado pelo Centro de Referência em Educação Integral, programa da Associação Cidade Escola Aprendiz, permitiu aos educadores uma contextualização sobre Educação Integral e a importância da organização da escola na constituição de um território educativo e na garantia do desenvolvimento integral dos estudantes. Neste encontro, também planejou-se possíveis práticas pedagógicas que contemplassem as identidades dos estudantes da EMEI.

Encontro com as crianças

Concomitante ao percurso formativo realizado com os educadores, foram realizadas atividades com as crianças da EMEI. Nestes encontros assumiu-se disposição para o diálogo e para conectar saberes oriundos de distintas experiências presentes no território com as atividades.

Nesse sentido, o projeto buscou promover o compartilhamento entre as várias famílias e as crianças, de modo que pudessem estabelecer conexões, ampliar seu repertório e, claro, estreitar os laços dentro da escola, combatendo o preconceito, a discriminação e até mesmo a xenofobia.

Os saberes presentes nas brincadeiras e na alimentação foram articulados ao itinerário formativo das crianças, garantindo novas aprendizagens, possibilitando o reconhecimento de seus costumes e fortalecendo laços de respeito com um olhar voltado à diversidade e autonomia.

Brinca Mundo no Bom Retiro

A atividade foi resultado de um processo colaborativo realizado em três etapas envolvendo educadoras e familiares dos estudantes da unidade escolar.

Clique aqui para acessar a metodologia do Brinca Mundo no Bom Retiro.

Além da formação com as educadoras e o envolvimento das famílias na construção de um mini documentário, foram realizados dois dias de brincadeiras livres em parceria com os coletivos Aqui que a gente brinca, Não só o gato e Massacuca que contou com a presença dos familiares e educadoras.

Ao eleger o brincar como saber do território e chamar as famílias para brincar na escola em dois dias de celebração foram geradas trocas fundamentais para construção de um diálogo intercultural.

Piquenique de sabores e texturas

O brincar continuou sendo o saber utilizado para realização das atividades junto às crianças, no entanto, para realização do Piquenique de Sabores e Texturas a alimentação e seu potencial para integração das famílias e crianças do bairro também foi tema.

No dia da atividade a escola passou a ser uma grande cozinha experimental onde os protagonistas eram os estudantes. Ingredientes culinários e elementos da natureza promoveram um verdadeiro piquenique sensorial de texturas e cheiros, valorizando o aprendizado por meio do brincar ao ar livre.

Além da descoberta de novos ingredientes, texturas e cheiros, como canela em pau, farinhas, grãos e sementes, os estudantes puderam pensar e relatar seus hábitos alimentares e costumes, possibilitando a troca de conhecimento.

O percurso formativo realizado com os educadores e os encontros com as crianças somados à articulação dos agentes do território permitiram que a escola reconhecesse seu papel como promotora de transformação no território e motivvaram o envolvimento da mesma em projetos locais como o Livro de Receitas Sabores e Saberes: Memórias que atravessam tempos e espaços e o Que Bom Retiro: Festival de Rua do Bom Retiro.